Sem casualidades em Foz do Iguaçu

 
Iroel Sánchez

Painel "Experiências na América Latina" no Encontro Mundial de Blogueiros, moderado por Sergio Bertoni, tercerio de esquerda para a direita. Foto: Manuel Henríquez Lagarde

É madrugada na sala de espera do aeroporto de Foz do Iguaçu e um ponto de venda de livros me chama a atenção. Entre os best-sellers do momento – incluindo duas biografias de Steve Jobs – um livro com capa tipográfica (letras negras sobre fundo vermelho) ocupa o lugar de maior destaque, seu título Os últimos soldados da Guerra Fria, de Fernando Morais; entre o nome do volume e o do autor, há uma oração que anuncia o tema: “A história dos agentes infiltrados por Cuba em organizações de extrema-direita nos Estados Unidos”.

Me sinto afortunado, um exemplar do livro de Morais viaja com minha bagagem rumo a Cuba, presenteado por Sergio Bertoni, o blogueiro do Paraná, que moderou o painel “Experiências na América Latina” durante o 1º Encontro Mundial de Blogueiros, no qual acabo de participar em Foz, junto a acadêmicos, ativistas e editores vindos da Argentina, Equador eHonduras. Várias perguntas afloraram, no debate do painel, sobre o caso dos cinco cubanos que ainda permanecem nos Estados Unidos – quatro deles presos, entretanto –, incluindo uma proveniente de um blogueiro que é médico graduado na Escola Latino-americana de Medicina em Cuba, e na resposta pude falar sobre como o governo norte-americano utilizou os meios de comunicação – em troca de dinheiro – para condicionar um resultado judicial contra pessoas cujo único delito foi tratar de evitar atos terroristas. Um bom exemplo, sem dúvidas, de como opera a informação no mundo em que vivemos.

Painel “Experiências na América Latina” no Encontro Mundial de Blogueiros, moderado por Sergio Bertoni, tercerio de esquerda para a direita. Foto: Manuel Henríquez Lagarde

Se no painel inaugural do evento Ignacio Ramonet havia afirmado, com razão, que ser blogueiro não é sinônimo de ser rebelde e que pode haver – e de fato exitem – blogueiros reacionários que servem ao poder midiático e econômico, o que percebi nas discussões entre os mais de 400 participantes reunidos nas instalações da hidrelétrica de Itaipu (a segunda maior do mundo) foi um estado de rebelião global contra os monopólios midiáticos.

Como resenhou Jillian York, do Conselho de Administração do Global Voices, o encontro de Foz do Iguaçu “conseguiu reunir um grupo muito interessante de pessoas de toda a América Latina e do mundo, e deve ser felicitado”. Escutar pessoas provenientes do Egito e Arábia Saudita contarem suas experi~encias no enfretamento à censura, assistir o vídeo trazido pelo paquistanês Farhan Janjua, sobre a evolução das redes sociais em seu país, ou o de Jesse Freeston sobre a repressão a jornalistas em Honduras – onde morreram 15 pessoas por conta do golpe de Estado contra Manuel Zelaya – ajudou a completar uma visão plural do uso de novos meios. Em particular Freeston, de origem canadense, mas que viveu na América Central, abordou um conceito de “homo interneticus”, um termo empregado por alguns antropólogos para descrever as pessoas que já não encontram maneira de fazer algo fora da Internet, e frente a isso ele destacou o valor da palavra “ocupar”: “ocupar é uma palavra muito importante”, disse Freeston, a diferença do ciberativismo, como é impossível “cibercomer”, “ocupar” implica sair fisicamente à realidade. Sobre Occupy Wall Street, Andrés Conteris, do Democracy Now En Español, também deu um importante depoimento.

Na mesma linha de Freeston, Pascual Serrano, do Rebelión, apontou com precisão, no painel sobre experiências na Europa e nos Estados Unidos: “se observarmos, as supostas revoluções apoiadas nas redes sociais não promoveram mudanças significativas na estrutura de poder, nem nos países árabes, nem na Europa ou Estados Unidos. São mudanças  “lampedusianas”, que se transforma algo para que tudo continue igual. Como disse o professor Ramón Reig, existe um êxtase cibernético de caráter místico no ocidente – eu adicionaria que também na América Latina –, que mitifica as redes e as novas tecnologias para encomendar, a elas, às revoluções”.

No painel sobre as experiências brasileiras, a democratização dos meios de comunicação ocupou um papel central. No fechamento do evento, Jesse Chacón, o ex-ministro das Comunicações na Venezuela, Damián Loreti, membro da comissão que redigiu a lei de meios de comunicação na Argentina, e Blanca Josales, secretária de Comunicação do Peru, abordaram as respectivas políticas de seus países nesse campo.

A Carta de Foz do Iguaçu, aprovada no Encontro, além de condenar as ações dos Estados Unidos contra Cuba, para limitar seu acesso à Internet, coloca como a primeira das prioridades “a luta pela liberdade de expressão, que não se confunde com a liberdade propagada pelos monopólios midiáticos, que castram a pluralidade informativa”. Olho o livro de Morais sobre Os Cinco e leio na contracapa: “uma trama desbordante jamais revelada pela imprensa”, e penso que nada é casual neste mundo, onde – como reza o título de um bom livro – o jornalismo é notícia. (Tomado de Centro de Estudios da Media Alternativa)

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